segunda-feira, 17 de novembro de 2008


A PROPÓSITO DA HOMENAGEM A JOAQUIM DE CARVALHO - I PARTE

Em Janeiro de 2007, sete meses antes de falecer, o Professor José Pires de Azevedo recebeu O Figueirense em sua casa, para uma longa entrevista: três tardes, passadas no seu escritório, não chegaram para as muitas lições, de História, mas sobretudo de Vida, que o Professor ainda tinha para dar.
Resumida a conversa a duas páginas de jornal, não houve como nelas verter todo o seu conteúdo. De fora ficaram, por exemplo, as considerações sobre Joaquim de Carvalho, o vulto que admirava ao ponto de ter sido por sua iniciativa que uma Escola Secundária da Figueira da Foz ostenta hoje o nome de Joaquim de Carvalho. Mas, porque as palavras do Professor eram obviamente valiosas, O Figueirense guardou o registo, para memória futura. É chegado o tempo de as revelar.


Em 1978 Pires de Azevedo estava à frente da Biblioteca do Liceu Nacional da Figueira da Foz, que pretendia "reunir as bibliotecas do ensino secundário do Centro Litoral, de Alcobaça a Vieira de Leiria, passando pela Figueira da Foz, Coimbra, Leiria até Peniche". Foi nessa altura que lutou pelo nome de Joaquim de Carvalho para a Escola. "A Escola só podia ter um nome: o de Joaquim de Carvalho", afirmou na última entrevista concedida a O Figueirense. "Foi esse o meu parecer, ou seja, o da Biblioteca", esclareceu, admitindo que "Luís Carriço e Carrington da Costa foram outras das opções, porque eram figuras universitárias, mas tratando-se de uma biblioteca teria de ser uma figura das Letras e do Pensamento", justificou.

Para Pires de Azevedo, "pondo de parte os políticos, só poderia ser o Dr. Joaquim de Carvalho, formado em Direito e em Letras, um especialista e historiador da Cultura Portuguesa". O Professor guardava bem na memória a polémica havida, na época, entre a família de Joaquim de Carvalho e a Universidade de Coimbra. "A família sentiu-se ofendida, e com razão, porque quando Joaquim de Carvalho adoeceu a Faculdade de Letras e a Universidade de Coimbra, onde Joaquim de Carvalho pontificava, não lhe guardaram o respeito devido", recordou. "E quando Joaquim de Carvalho morreu, não houve luto na Universidade", lamentou. As consequências fizeram-se sentir. "A família declarou guerra à Universidade", explicou Pires de Azevedo. "O filho mais velho de Joaquim de Carvalho, Manuel Montezuma Carvalho, era uma pessoa financeiramente poderosa e, com os irmãos, decidiram que os livros que eram do pai ficariam na Figueira, na casa em que ele vivera nos últimos tempos, com a ideia de a transformarem numa casa-museu”, recordou. "Ao mesmo tempo, as publicações Europa-América começaram a publicar um boletim de homenagem a Joaquim de Carvalho, num total de nove números, tudo a expensas da família", prosseguiu, sublinhando que Joaquim de Carvalho, "como administrador que foi da Imprensa da Universidade de Coimbra, entre 1923/4 e 1933, tinha direito a exemplares de todas as publicações que ali se faziam", possuindo assim uma impressionante biblioteca, até porque, na época, "a Imprensa da Universidade de Coimbra era a editora mais importante do país, fazendo sombra à Imprensa Nacional".

Pires de Azevedo recordava bem alguns dos títulos que por lá passaram. "As publicações da Academia de Ciências, por exemplo, faziam-se lá", mas "quando a Imprensa foi fechada compulsivamente, Joaquim de Carvalho perdeu muitos desses exemplares, mas mesmo assim tinha uns milhares de livros", afirmou. E conhecia-os bem. "Eu visitei aquela biblioteca e era uma preciosidade cultural, uma fonte de primeira ordem, que era preciso preservar e defender", considerava, até porque "o Século XIX, que ele estudou a propósito de Antero de Quental, e o pensamento medieval, origem do pensamento português que defendia, estavam representados na sua biblioteca". Mas havia uma ainda maior riqueza naquela biblioteca. "De Júlio Dantas aos anti-Dantas Almada Negreiros e Aquilino Ribeiro, todos ofereciam livros a Joaquim de Carvalho… eram escritores, colegas, estudantes. Ele tinha obras assinadas pelos autores, e primeiras edições de obras de Gaspar Simões, João de Barros, Torga e Ferreira de Castro, entre muitos outros", elencou. "E a correspondência? Era a riqueza maior daquela biblioteca. Joaquim de Carvalho não deitava fora papel nenhum que se lhe escrevesse”, garantia Pires de Azevedo. "Como não tinha tempo, nos sobrescritos que lhe apareciam, normalmente A3 e A4, enfiava toda a correspondência que recebia, e as suas respostas. Luís Carriço, Carrington da Costa, João de Barros, Afonso Duarte e também os Mestres de Lisboa, Hernâni Cidade, Rodrigues Lapa, e outras pessoas gradas da cultura portuguesa, como António Sérgio e Fidelino de Figueiredo, o primeiro a semear bibliotecas por todos os países por onde andou", recordava o Professor olhando para a sua caneta. "Com esta apontei mais de cem cartas e bilhetes postais", divagou. "Entre todas as cartas que vi haveria milhares de apontamentos, da política à cultura, alguns profundamente polémicos, outros nem por isso, mas todos muito profundos, que mereciam ser estudados", acreditava"

[continua]

Andreia Gouveia, in O FIGUEIRENSE, 14 de Novembro de 2008, p. 21 [sublinhados, nossos]

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