LEMBRANÇA DO DOUTOR JOAQUIM DE CARVALHO
" ... Como quer que seja, a Figueira sentiu fundamente a morte de Joaquim de Carvalho; mesmo quem jamais o ouvira ou lera, simpatizava com o homem grande, quieto e bom que encontrava nos caminhos, na camioneta de Buarcos ou no combóio de Coimbra. E a expressão de tal pesar foi dita lapidarmente à beira do túmulo, pelo Dr. Álvaro Malafaia.
Também o mundo culto, dentro e fora do País sentiu a perda e se manifestou; melhor os de longe, naturalmente, que santos de ao pé da porta. ... E Coimbra?
Ora pois, a Coimbra doutora sentiu o facto mais diversamente: houve em alguns pesar sincero, sem dúvida, na consciência da relação perdida ou do perdido valor cultural; entretanto, no submundo universitário certa pequenina política de campanário porventura experimentou algum alívio nesse apagar de um Homem da estirpe moral e intelectual de Joaquim de Carvalho...
Seria filho dessa politicazinba o facto de, no então novo edifício das Letras já não haver um gabinete àquele mestre reservado? Terá algo a ver com a mesma política pequena o facto de a Universidade não haver suspenso as aulas no próprio dia do enterro de um dos seus catedráticos maiores?
Não sabemos responder às perguntas antes deixadas no ar. Em compensação, temos dados concretos para a resposta a esta outra questão: quando, a dez anos da morte de Joaquim de Carvalho, à Universidade de Coimbra, na pessoa de alguns dos seus mestres – e todos lhe deviam finezas; e não poucos lhe deviam o lugar –, o semanário figueirense Mar Alto, então um jornal limpo de quaisquer dependências, solicitou depoimentos sobre aquele grande Professor, quem respondeu à chamada?
Como quer que seja, muita água correu neste quarto de século; pelos vistos, a bastante para acalmar incêndios e ânimos, serenar quezílias e, até, fazer voltar a Coimbra e fazer mergulhar na dita Faculdade de Letras a livraria de Joaquim de Carvalho, que tão bem esteve ali na sua casa do Pinhal e tanta falta faz na Figueira, onde o filósofo mestre sonhava acabar seus dias, saboreando a existência, recebendo amigos e, sempre, trabalhando na obra de que apaixonadamente falava, ainda pouco tempo antes de morrer...
[José Pires Lopes de Azevedo, in "Lembrança do Doutor Joaquim de Carvalho", Figueira da Foz, 1987, p. 49-50]
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