quinta-feira, 30 de outubro de 2008


NOTAS POLÍTICAS SOBRE JOAQUIM DE CARVALHO – Parte II

Joaquim de Carvalho era, pois, um republicano liberal que pelo seu carácter e inteligência, talvez mesmo na sua benévola "solidão dos intelectuais" [João Gaspar Simões, Joaquim de Carvalho, JN, 8/3/1959], pode dizer-nos com toda a sagacidade [A Minha Resposta, ibidem, p.16]: "Se há estrutura mental que a República deva destruir é a da purificação. Para purificar o espírito, queimavam-se corpos; impediam-se leituras; fiscalizava-se o pensamento. O resultado viu-se e, tão baixo, vê-se ainda". Não espanta, deste modo, que considere no ideário republicano o trabalho espiritual, de combate ao fanatismo e à intolerância. A educação popular leva-o, com o maior dos entusiasmos, ao movimento das Universidades Livres (1919), tendo feito parte da Comissão Organizadora de Coimbra.

Na política associativa, Joaquim de Carvalho manteve um estreito relacionamento com Álvaro de Castro, sendo um dos apoiantes do Partido Republicano da Reconstituição Nacional, vulgarmente designado por Partido Reconstituinte, no início da década de vinte [Aires Antunes Diniz, O Século XX Português – Da Monarquia à República - texto inédito].

Antes, em 1912, com cerca de vinte anos, foi iniciado na Maçonaria, com o nome simbólico de Guyau, na loja "A Revolta" de Coimbra, onde se manteve até 1924 [Fernando Catroga e Aurélio Veloso, "António Sérgio no Exílio – Cartas a Joaquim de Carvalho", Revista de História das Ideias, vol. V, Coimbra, 1983, p. 952; vide ainda "Memoria Professorum Universitatis Conimbrigensis", vol.II, Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1992, p. 70]

Mais tarde, durante a Ditadura Militar, envolve-se em algumas tentativas de recuperação do regime republicano desaparecido em 28 de Maio de 1926, factos que lhe provocarão dissabores de todo o tipo, como o encerramento da Imprensa da Universidade em 1935. Entre essas actividades conhecem-se as suas participações na Aliança Republicano-Socialista, em 1931, em Coimbra [Fernando Catroga e Aurélio Veloso, ibidem, p.1013] e no Grupo de Estudos Democráticos (G.E.D.) dinamizado por Marques Guedes em 1931.

Ainda se encontra em Norberto Cunha [op.cit., p.584, nota 29] a referência à participação de Joaquim de Carvalho no Grupo de Renovação Democrática onde "alinhou abertamente pelo Grupo de Renovação Democrática, de pendor socialista".

Para além da sua obra académica (de muita eloquência), pedagógica [vide a este propósito, "Dicionário de Educadores Portugueses", dir. António Nóvoa, ASA, 2003, p.294-296] e filosófica, o "desassombro" de Joaquim de Carvalho de publicar e dirigir o Diário Liberal [Lisboa, entre Maio e Setembro de 1933], enfileirando-se na corrente de luta contra a ditadura, pelo conjunto de artigos de carácter doutrinário sobre questões políticas e sociais [leia-se, p.ex. "Sobre a ideia de Estado Total – Noção de Partido Político" ou "Sobre a ideia de Estado Total – Digressão sobre a alma burguesa"], mostra o seu "activismo doutrinal", o seu envolvimento político-social, mas que gradualmente conduzem a um crescente isolamento. E não por acaso, escreve ele em carta datada de 1932, a Rodrigues Lapa [Correspondência de Rodrigues Lapa, Coimbra, Minerva, 1997, p. 35] o seguinte: "Sei que estou e estarei isolado: não importa, porque saberei reivindicar o que me parece justo".

Para concluirmos, podemos dizer com Orlando Ribeiro ["Joaquim de Carvalho: personalidade e pensamento", Biblos. Revista da Faculdade de Letras. Homenagem a Joaquim de Carvalho, vol. LVI, 1980, p.1] e sobre Joaquim de Carvalho:

"Este homem era tão profundamente coimbrão que nem as sereias políticas da República liberal, de que era partidário convicto, nem as perseguições do obscurantismo, a que se opunha o seu espírito esclarecido e tolerante, o afastaram da Figueira da Foz nem da Universidade que de certo modo encarnava no que sempre teve de melhor: um lugar de ressonância europeia onde, da mediocridade e da suficiência em que tantas vezes se apagou, sobressaíam alguns espíritos de dimensão ecuménica na original fisionomia portuguesa que foi, na grande época da nossa história, a de integrar no mundo da cultura uma experiência – e uma reflexão sobre ela – de cariz próprio profundamente vincado"

A.A.B.M.
J.M.M.

via Almanaque Republicano

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