quarta-feira, 5 de novembro de 2008


LIVROS de D. MANUEL II

"São de sempre, na nossa gente, os testemunhos do amor do livro e da consideração por quem os escreve, os aprecia, os ajunta e conserva. Espontâneos ou reflectidos, de ignorantes ou de letrados, eles denotam a disposição moral para se atribuir à civilização um sentido de hierarquia espiritual e dão a conhecer uma faceta da nossa compleição, que através das mutações políticas, da transformação das condições de existência e das inovações dos recursos técnicos jamais deixou de prezar o trabalho intelectual como a aplicação mais alta da actividade humana, mormente se desinteressado e de honradas intenções.

Sendo de sempre, e portanto constantes, nem por isso os testemunhos do amor do livro têm sido unilineares e por igual provenientes de todas as camadas e maneiras de ser que compõem a sociedade portuguesa, pois a amplitude crescente das suas manifestações está em correlação directa com a generalização do acesso ao prazer da leitura (...)

Para quem viveu com plenitude a hora alta de alegrias e as depressões fundas da desilusão e da amargura, o mundo que os livros despertam, como aliás todo o fluir vivencial da existência, está sulcado de coordenadas intelectuais e afectivas, de preferências e de repulsas, de travos e de doçuras. Dia virá, em que, com o socorro de documentos e de testemunhos, o historiador e o analista possam sondar com equânime objectividade o mundo interior de D. Manuel. Hoje, talvez ainda seja cedo, e além disto faltam os documentos contrastantes, que são condição essencial e apelo exigente da equanimidade da consciência e da imparcialidade do juízo.

Temos apenas diante de nós o pouco que deliberada e meditadamente deu ao prelo, nos Livros Antigos, mas esse pouco diz muito do mundo subjectivo do rei êxule, não tanto no que proclama como sobretudo, e principalmente, no que cala. Da sua pena não saíu uma palavra de ressentimento mesquinho, de ódio vingativo, de incitação pugnaz, e tudo o que neste livro escreveu, seja qual for a densidade da exactidão ou a consistência da travação lógica, teve em vista um fim supremo: Portugal (...)"

Joaquim de Carvalho, in LIVROS de D. MANUEL II. Manuscritos, incunábulos, edições quinhentistas, camoniana e estudos de consulta bibliográfica, seleccionados e apresentados por ..., Atlântida, Coimbra, 1950

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